Lugar pródigo em delícias e riquezas. É assim
que o dicionário Aurélio define a palavra “eldorado”. E é assim que a maioria
dos cinéfilos de Rio Preto enxerga o Cine Eldorado. Inaugurado em 1990, na rua
Bernardino de Campos, entre as ruas Mirassol e Independência, este último
endereço de cinema de rua da cidade corre o risco de ser extinto em 2012.
Desde que o Grupo Chainça assumiu a admistração, em
1998, não é a primeira vez que o espaço ameaça trancar as portas. Em maio de
2003, por exemplo, o Diário da Região publicou que o fechamento poderia ocorrer
por falta de público.
É justamente a baixa demanda que condenou os cines
Bandeirantes e República, em Catanduva, a parar de funcionar até o fim do mês que
vem. Por aqui, entretanto, o motivo é outro. Segundo a sócia-proprietária da
empresa cinematográfica, Patrícia Helena Zago, o possível encerramento das
atividades estaria ligado a uma determinação dos donos do prédio, que teriam a
intenção de demolir esta e as construções vizinhas para criar um complexo
comercial.
A reportagem do Diário da Região tentou entrar em
contato com os proprietários do imóvel. Porém, Walter Spotti Neto, um dos
representantes dos negócios da família, preferiu não se manifestar sobre o
assunto. Patrícia explica que o comunicado pegou a equipe de surpresa, há cerca
de 20 dias, pedindo a desocupação em três meses.
“A gente descobriu que esse projeto de reforma do
quarteirão existe há dois anos. Ficamos chocados, porque fizemos várias
reformas e não sabíamos de nada”, emenda o gerente de marketing do cinema,
Christian Gilberto Trombetta.
Recentemente, foram feitas adequações na fachada e
nas instalações elétricas e hidráulicas. Ainda havia projetos de melhoria em
desenvolvimento, como a aquisição de um projetor digital (hoje, as produções
são rodadas em película 35 mm) e a criação de um café, que serviria de ponto de
encontro para debates.
Trombetta acrescenta que, até o momento, a única
alternativa para evitar o fim proposta pelos proprietários seria o reajuste do
aluguel em inviáveis 550%.A sugestão do Grupo Chainça era modernizar a
estrutura, ampliando a capacidade de espectadores para viabilizar custos mais
altos. Mas não houve acordo. “Nós nos sentimos lesados. Por que não incluir o
cinema em um polo cultural? A resposta foi bastante desagradável: porque
comercialmente não haveria lucro”, diz Patrícia.
Drama semelhante em SP
Criado em 1943, o Cine Belas Artes, de São Paulo,
passou por drama semelhante. Apesar das mobilizações populares favoráveis, o
antigo cinema, localizado na rua da Consolação, quase esquina com a Avenida
Paulista, encerrou suas atividades em 17 de março do ano passado. O motivo do
fechamento foram os altos preços do setor imobiliário na região nobre da cidade.
Como o contrato entre os administradores e os donos
do imóvel estava vencido, o reajuste do aluguel subiria de R$ 60 mil para R$
150 mil, inviabilizando a renovação da parceria. O empresário Flávio Maluf
pretendia que o local fosse alugado para uma loja. Mais de um ano depois, não
foi o que ocorreu.
Na época do impasse, houve uma tentativa de
tombamento do prédio, mas o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e o Conselho
de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico
(Condephaat) negaram o pedido.
Na avaliação do promotor Washington Luiz Lincon de
Assis, o arquivamento nos dois órgãos seria um indício de que a análise foi
superficial. Por isso, o Ministério Público solicitou a reabertura dos
processos. A Prefeitura teria conseguido a cassação da liminar e o Estado teria
alegado que o processo não foi encerrado, o que ainda protege o local de
intervenções.
A Câmara de São Paulo também se manifestou sobre o
assunto, com a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que
apura supostas irregularidades no processo de tombamento. A investigação teve
início em março deste ano, por iniciativa do vereador Eliseu Gabriel. Segundo o
autor, embora a construção não tenha características arquitetônicas relevantes,
o Belas Artes é um bem imaterial de São Paulo, por isso, deve ser preservado.
Já o diretor do departamento do patrimônio
histórico da Prefeitura, Walter Pires, disse, no fim de junho, que só o tombamento
não garante a utilização do espaço com a finalidade cultural. Ele sugeriu que a
CPI dê mais atenção para a legislação e estude possíveis mudanças no texto.
Sala é refúgio popular e intelectual
Desde a chegada do multiplex no Riopreto Shopping
Center, no final de 2001, o Cine Eldorado mudou seu foco de exibição. Hoje, a
empresa identifica dois filões: o grupo intelectual, que busca filmes de arte
como alternativa ao circuito comercial, e o popular, que procura opções de
lazer baratas.
A única sala, com 125 poltronas, costuma receber,
em média, 60 pessoas por sessão. Filmes considerados “cult” ou nacionais ocupam
posição de destaque na grade - inclusive por meio de festivais temáticos. No
ano passado, por exemplo, o Eldorado recebeu R$ 26,5 mil do Prêmio Adicional de
Renda (PAR), edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que contempla
divulgadores de títulos brasileiros.
Porém, para ajudar a pagar as contas, blockbusters
- na maioria das vezes, animações, como “A Era do Gelo 4” - também costumam
entram em cartaz. A estratégia fidelizou boa parte dos frequentadores, como a
professora aposentada Iunci Picerni Bavaresco, 62 anos, que não perde uma
estreia.
Quando morava na Capital, ela gostava de frequentar
o Cine Belas Artes. Na última década, já radicada no Interior, elegeu o Cine
Eldorado seu substituto. “O que o povo mais precisa é de educação e cultura.
Perder um equipamento importante como esse é um pecado.”
A bibliotecária Marciana Gomes Lopes, 52, também
sente prazer em assistir à programação diferenciada. “Fico muito entristecida
com a notícia, porque os filmes são maravilhosos. O Cine Eldorado é um oásis de
inteligência em meio à mediocridade enlatada.” A opinião é compartilhada pela
escritora Rosalie Gallo y Sanches, que integra a Academia Rio-pretense de
Letras e Cultura, preside a Amici d’Italia e coordena o Núcleo de Cultura da
Associação Comercial e Empresarial de Rio Preto (Acirp).
Para ela, o cinema representa uma tradição
romântica da cidade e, caso deixe de existir, prejudicará, principalmente,
aqueles que não podem pagar pelo conforto dos shoppings. “Estamos mobilizando
conhecidos para que possamos reverter a situação”, planeja.
À beira da extinção
O desaparecimento dos chamados “cinemas de rua”,
aqueles instalados no centro das cidades, não é um fenômeno pontual. De acordo
com o crítico e professor de cinema Franthiesco Ballerini, autor do
recém-lançado livro “Cinema Brasileiro no Século 21”, esse é um fato
identificado em todo o Ocidente. No Brasil, o marco para essa decadência tem
mais de 40 anos.
“Isso começa a acontecer a partir dos anos 1970 no
Brasil, com o inchaço das cidades, aumento da violência e, portanto, os
shoppings se tornando locais mais ‘seguros’ para lazer, deteriorando os cinemas
de rua. O maior golpe, porém, acontece nos anos 1990, com a abertura da
economia e a entrada de grandes redes internacionais de exibição.”
Ballerini explica ainda que as salas dos shoppings
passaram a chamar mais atenção do público por oferecerem um maior número de
opções de filmes e serem mais modernas em termos de imagem e som. Mas nem
sempre foi assim. As salas centrais celebraram momentos áureos. “O apogeu
aconteceu a partir dos anos 1940, quando o cinema brasileiro começou a se
organizar e atrair mais espectadores, especialmente graças a fenômenos como a
chanchada”, afirma.
Novos hábitos
Estudiosa da história de Rio Preto, Nilce Lodi
acredita que a incorporação de novos hábitos pela sociedade local resultou na
redução da procura pelos cinemas centrais, provocando o fechamento de muitos
deles. Ela explica que, com a disseminação dos aparelhos de TV no município, a
população passou a ter acesso a um novo entretenimento, sem precisar sair de
casa.
A partir disso, surge uma situação bem diferente da
vivenciada nos anos 1950 e 1960, período considerado por ela o auge das salas
de cinema rio-pretenses. “Na época, as artistas de Hollywood eram um grande
chamariz. Também tinha o cinema italiano, um pouco mais pesado, mas em segundo
plano.”
Mais tarde, com as cidades crescendo, novas formas
de entretenimento surgindo e os shoppings sendo vistos como locais seguros e
“impérios” de entretenimento, os cinemas do centro sofrem ainda mais. “Clientes
reclamavam que não tinham coragem de sair das sessões à noite. E, nos
shoppings, há também outras diversões”, diz o advogado Edvar Curti, membro da
família que foi ícone do cinema na região de Rio Preto no século 20,
controlando a maior parte das salas.
Atualmente, ele comanda a administração do Praça
Shopping, no centro de Rio Preto, local que, no passado, abrigou o cinema mais
imponente da cidade, o Cine Rio Preto. E a mudança não ocorreu somente por
aqui. Curti conta que, em cidades como Santa Fé do Sul e Fernandópolis, os
espaços antes usados para projeção hoje abrigam órgãos públicos e igrejas. “Até
em Ibirá tínhamos cinema”, lembra.
Hoje, junto com o orgulho de fazer parte da família
que tem a história atrelada ao auge cinematográfico em Rio Preto, Curti também
se sente frustrado pela decadência dos cinemais de rua. “É uma pena, realmente.
Cinema, hoje, é bom negócio para os shoppings.”
Com infância e juventude atreladas ao cinema, Curti
se surpreende com as escolhas de alguns adolescentes de hoje. “Encontrei um
menino de 16 anos na academia que frequento que nunca entrou em um cinema. Ouvi
isso e saí magoado. Sou de um tempo que com essa idade víamos faroeste.”
O jornalista e documentarista Fernando Marques, de
Rio Preto, acredita que todo mundo sai perdendo com o fechamento das salas
centrais. “Acho que não só a população perde, como a própria cidade, já que
cada vez mais temos menos gente circulando pelo Centro.”
Curti diz ter esperança de uma retomada dos cinemas
de rua. E o otimismo dele não é utópico. Algumas experiências mostram que
empresas que buscam caminhos alternativos encontram chances de sobreviver. “Em
São Paulo, algumas salas de rua continuam muito bem, como o Espaço Itaú de
Cinema e o Reserva Cultural.
Isso porque conseguiram oferecer uma gama incrível de
bons filmes de arte, impossíveis de encontrar nos shoppings, atraindo cinéfilos
e interessados por um cinema de qualidade, inteligente. Mas tudo depende da
localização. Tenho dúvidas se cinemas em centros deteriorados funcionariam hoje
em dia”, diz Ballerini.
Fonte:
www.diarioweb.com.br - por Daniela Fenti e Vívian Lima - acessado em 13/08/2012